Jeremy Clarkson e os carros para o mundo real

Sem título

Muitos anos atrás, a Ferrari emprestou-me a então nova F355 por alguns dias enquanto eu estava na Itália. E 4 segundos depois que deixei a fábrica, eu sabia que tinha que ter uma – mesmo que tivesse de roubar um banco ou vender meus filhos para experimentos médicos.

Isso aconteceu de novo mês passado, com o Lexus LFA. O que começou como um pequeno interesse virou respeito, e então, amor. E então, com os quilômetros sendo devorados, comecei a pensar que viver sem um LFA na minha garagem seria mais difícil do que viver sem um fígado no meu abdômen.

Então, por que este hiato de 20 anos?

Por que não fui consumido pelo desejo de ter um Lamborghini Aventador ou uma Ferrari 458 ou um Aston Martin DBS ou um Bugatti Veyron ou um Rolls-Royce Phantom? Por que eu pude argumentar que a Mercedes SLS é o melhor carro do mundo e então decidir gastar meu dinheiro em algo totalmente diferente?

Resumindo: por que, após 25 anos testando carros, apenas dois entraram na minha lista de prioridades?

Bom, eu passei as últimas horas reclinado na minha cadeira, mordendo a ponta de uma caneta, e eu tenho a resposta. E é esta: eu tenho uma regra, e ela especifica que se um carro atiça o petrol-head em mim, ele simplesmente não funcionará no mundo real.

O Phantom é um exemplo clássico. É uma bela obra da engenharia e possivelmente o único veículo já feito onde você genuinamente não sente que está indo a lugar algum. Quando você está em um avião ou barco ou avião, você sabe que está indo para algum lugar por causa das vibrações e do som. No entanto, se você fechar os olhos em um Phantom, você acharia que está na praia, num dia quente, nas Seicheles.

Mas o preço que se paga por este refinamento e conforto é a enormidade. E é essa enormidade que faz você parecer um tanto desprezível.

E quanto ao Veyron? Novamente, a engenharia nele é incrível. Todos esses radiadores, esses detalhes aerodinâmicos. Tudo isso faz o meu coração cantar de tão excitado. Mas há um preço a se pagar por tudo isso. E o preço é cerca de £1 milhão. Então, ele foi arruinado pelas mesmas coisas que o tornam tão bom.

O Aventador? É uma épica obra de design, e, quando senta-se a bota, coisas azuis saem do escapamento. Eu curti muito minha viagem pela Itália no grande Lambo ano passado, mas em Ímola, nossa última parada, os seus freios superaqueceram, ele não fazia curvas muito bem e fiquei imaginando se deixei-me levar pelas aparências.

A Ferrari 458 não sofre deste problema. Ela é bonita e anda muito. Mas, para dar aos seus donos um genuíno gosto de algo diferente, algo melhor, todos os controles estão no volante, o que significa que toda vez que você quiser virar à esquerda, você acidentalmente desliga o controle de tração e aciona os limpadores de pára-brisa. E isto acaba fazendo-o parecer um pouco como um imbecil.

É a mesma coisa mais abaixo na cadeia alimentar automotiva. O novo Audi RS4 está parado em frente à minha casa agora. É extremamente bonito, tem rodas enormes e ele chamou atenção de todo mundo a semana toda. É este tipo de carro que você quer…

Mas por que você o quer? Ele obviamente é extremamente rápido. Não apenas em linha reta, mas nas curvas também. Você pode imaginar-se, talvez em uma estrada dos Alpes, quem sabe com Keira Knightley ao seu lado, voando pelas curvas e rasgando retas, e o motor está uivando, e Keira está gritando, e tudo está bem em seu mundo.

Mas para torná-lo bonito e rápido, a Audi não instalou suspensão alguma nele. Bom, deve haver alguma nele, mas é tão pouca que você nem nota que ela está lá. Então, a razão que o faz querer um é a mesma que o faz não querer um.

Um amigo meu acabou de comprar a nova Mercedes C63 Black. Ele deixou-se levar pela promessa de muitas derrapadas controladas e ele queria fazer isso, soltar todo esse torque enquanto desliza ao redor de uma rotatória em uma nuvem de fumaça de pneus. No entanto, e apesar dele não demonstrar, eu sinto que após apenas duas semanas ele tem medo dela. Porque essa habilidade de soltar a traseira após ser levemente provocada significa que ela também fará isso quando você está usando o celular, voltando do trabalho após um dia cansativo.

Você pode até pensar num Mazda MX-5, que o problema ainda está muito presente. Eu adoro esportivos pequenos. Eles são tão ligeiros e ágeis. Mas a pequenez exterior tem um preço: eles também são pequenos por dentro.

Certo. Consideremos o Kia Cee’d. Se você estiver lendo isto, você provavelmente gosta de carros. Ou então você está na sala de espera do dentista e todas as outras revistas estão sendo lidas pelo Richard Hammond e a brigada dos dentes brancos. Mas suponhamos que você goste de carros. Neste caso, você definitivamente não quer um hatchback coreano.

O seu chassi não foi aperfeiçoado em Nurburgring. O som do seu escapamento não foi ajustado para fazer sua espinha tremer e o seu motor é feito para economizar gasolina, e não para quebrar recordes de velocidade. Este não é um carro que faz você querer dirigí-lo, a não ser que você tenha acabado de fugir de uma prisão e ele estava no estacionamento, sem ninguém ao volante e com o motor ligado.

Mas, no mundo real, onde você vive e trabalha e se diverte, um Kia é milhares de vezes melhor do que um Rolls-Royce Phantom. Saia de um Cee’d, e ninguém fará gestos rudes para você. Ele é mais fácil de manobrar no trânsito do que um grande Lambo. Mais barato de manter do que um Veyron. É melhor em várias maneiras racionais do que uma Ferrari 458. Assim como um Ford Focus. E um VW Golf a diesel.

E isto é algo que as montadoras precisam entender. É legal fazer carros que fazem os timoneiros da Autocar salivarem até se afogarem, mas isso os tornam inúteis na Kensington High Street ou na A38 perto de Barton-under-Needwood.

As portas de uma Mercedes SLS, por exemplo. Todas as revistas especializadas disseram “uau”. Todos que viram o dono de uma SLS sair dela disseram “que mané”.

É por isso que amo tanto o LFA. Em primeiro lugar, ele é um carro. Uma ferramenta para levá-lo de um lugar para outro. E à esta receita simples, a Lexus acrescentou aerodinâmica e som e uma mulher no painel que achará um restaurante especializado em cozinha de fusão mais próximo.

São poucos os carros desse tipo. E é por isso que eu muito raramente sinto uma vontade irracional de pegar o meu talão de cheques.

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Sobre johnflaherty

Meu nome é Sadao H. Konno, mas sou mais conhecido como "John Flaherty". Por quê? Porque sim, uai! Desde criança, eu gosto de carros, tanto que minha lembrança mais antiga dessa época é de uma capa da antiga Audi Magazine. Nunca fui muito de ler os grandes clássicos da literatura, mas o que me salvou foram as revistas especializadas em carros. Mais precisamente, a QUATRO RODAS, a MOTOR SHOW e, recentemente, a AUTO ESPORTE. Acho que foi em 2009 que descobri o Top Gear, e desde então, virei um grande fã da trupe formada pelo Jezza, Hamster, Capitão Lerdo e Stig. Em 2010, inspirado por uma amiga da faculdade, decidi começar a legendar vídeos do Top Gear e postá-los no YouTube. Infelizmente, minha conta foi bloqueada pela BBC, mas agora, ofereço suporte ao blog Top Gear BR.

Publicado em 09/02/13, em John Flaherty, Matérias traduzidas, News e marcado como . Adicione o link aos favoritos. 8 Comentários.

  1. Sensacional. Como com algumas palavras, é possível descrever toda uma onda de sentimentos a respeito de um carro, e o desejo ter o mesmo. Muito obrigado pelo post.

  2. Gustavo Timm

    Excelente, muito bom!!

  3. Ele vai comprar mesmo?

    Só se for usado porque o LFA saiu de linha no final do ano passado:http://www.jalopnik.com.br/lexus-lf-a-chega-ao-fim-de-sua-producao/

    E mesmo sendo um ótimo carro eu ainda pegava um Lambo Aventador que é o melhor carro da atualidade na minha opinião e talvez o mais belo de todos.

  4. lee12crt

    O LFA realmente tem se mostrado um super-carro -quase- completo e perfeito em 99% das situações. Arrisco a dizer que se talvez não fosse o preço, ele teria sido tão aclamado quanto o NSX foi na sua época. É isso ai, japoneses reinventado novamente conceitos de como se faz um carro.

  5. E a falta de porta-copos nem é tão grave assim…

  6. Tantas coisas para fazer nele e apertar que vc até esquece do porta copos kkk

  7. Fellipe de Sousa Barreto

    Ótimo texto ! Deu pra sentir a paixão dele pelo LFA.

  8. Maravilhoso post. Obrigado! 🙂

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