O TopGear.com dirige a VW Kombi no Brasil

(Ainda estamos numa pausa permanentemente parcial/parcialmente permanente, mas esta matéria era boa demais para deixar passar…)

A polícia do Rio de Janeiro começou a “pacificar” a favela do Vidigal no dia 18 de Janeiro de 2012. As Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) atualmente estão atuando em 30 favelas de acordo com uma iniciativa criada em 2008 pelo governador do Rio, Sérgio Cabral Filho. O crime organizado é um enorme problema no Rio, e com a Copa do Mundo chegando em 2014 e as próximas Olimpíadas acontecendo em 2016, as coisas agora estão sérias.

As maiores favelas, como a da Rocinha e a famosa Cidade de Deus, têm mais de 70 mil habitantes, e os emaranhados de vielas, a enorme quantidade de moradias e a infraestrutura anárquica há muito exercem um fascínio sinistro para os estrangeiros. Mas, historicamente, elas também têm sido controladas por alguns dos criminosos mais inescrupulosos do mundo, e Sérgio Cabral e seu secretário de segurança José Mariano Beltrame não têm ignorado esse problema. Eles usaram o batalhão especial BOPE da polícia militar do Rio para expulsar os líderes criminosos, antes de enviarem as UPPs como uma presença permanente para manter a paz. Vale dizer que o BOPE é uma unidade tão bem equipada que ela poderia participar de uma guerra, e é exatamente isso que organizações como a Anistia Internacional afirmam que as autoridades estão fazendo. O logo do BOPE faz uma banda de death metal norueguesa parecer a LittleMix, e um dos seus blindados chama-se “Caveirão”. Previsivelmente, a violência vem diminuindo.

Acabamos de chegar na entrada do Vidigal em uma Volkswagen Kombi Type 2, uma latinha encantadora que você poderia amassar com o seu dedo mindinho. Ela também não tem ar-condicionado ou direção hidráulica, então o seu motorista – neste caso, eu – acaba suando bastante na humidade do que antes era uma floresta tropical. Crianças correm alegremente por aí, e há um amontoado de lojas, incluindo uma mercearia e uma venda. A rua à frente forma uma espiral montanha acima, com as residências improvisadas nos dois lados dela magicamente evitando caírem umas em cima das outras. O rosto do policial da UPP encostado numa parede branca mantém-se frio, mas ele abaixa seu rifle um pouco quando eles nos vê. Nada de ameaçador aqui.

Incrivelmente, a Kombi tem sido produzida na fábrica da VW em São Bernardo do Campo desde 1957, o que é um recorde mundial. Ainda mais estranho, as vendas no Brasil ano passado cresceram 4%, para cerca de 30 mil unidades/ano, e isto apesar do preço de venda ser o equivalente a £17 mil (R$51.400), com tudo incluso. No total, mais de 1.5 milhão de VW Kombi foram feitas desde 1957, e a maioria ainda parecem estar funcionando. Originalmente concebida por um executivo holandês chamado Ben Pon (ele viu o VW Plattenwagen do pós-guerra passeando em Wolfsburg e passou a idéia de um veículo utilitário baseado no Fusca para o exército britânico no comando à época), a longevidade da Kombi Type 2, particularmente no Brasil, deve-se a dois fatores: seu design permanece quase comicamente simples, e não há maneira mais barata de transportar uma tonelada de carga coberta.

O Rio definitivamente tem seus problemas. Eu já estive aqui antes em 1997, e quando chegamos recebemos instruções bem claras para não sairmos à noite. Na época, haviam relatos macabros sobre turistas dormindo na praia após terem tomado algumas e acordando numa banheira cheia de gelo 48 horas depois sem alguns órgãos vitais. Tráfico de drogas nas favelas é uma coisa, mas coisas como essa não vão melhorar sua imagem.

Felizmente, as coisas melhoraram dramaticamente, mas evitando que a cidade perdesse sua natureza agradavelmente instigante. Mesmo quando não há carnaval, o Rio ainda vibra feito o topo de um bongô, é uma cidade claramente dedicada à idéia de todos se divertirem. Afinal de contas, ela tem um Sambódromo e o estádio do Maracanã é uma catedral maior do que a verdadeira catedral do Rio. O resto de sua arquitetura é uma maravilhosa mistura de palácios coloniais e prédios que datam da época quando ela era a capital do Brasil (de 1763 a 1960), e o modernismo genuinamente icônico do maestro carioca do concreto, Oscar Niemeyer.

Emoldure tudo isso com 88 km de praias incríveis – Ipanema, Copacabana, Leblon – e com montanhas luxuriantemente vertiginosas, incluindo o Corcovado, onde no topo fica o Cristo Redentor, e você terá a cidade visualmente mais impressionante do mundo. É realmente a Cidade Maravilhosa.

Não temos nenhum plano mirabolante para hoje, a não ser ver o máximo do Rio que pudermos, observar os carros locais, e usar nossa astúcia para entrar numa favela. Para isso, temos o inestimável Fabiano do QG brasileiro da VW em São Paulo, e dois guarda-costas musculosos. Eles são ex-policiais contratados pela VW como “seguranças”. Não sei se seus equivalentes estão na folha de pagamento na base global da VW em Wolfsburg, mas posso estar enganado.

Hoje, vamos passar muito tempo observando seus bigodes no VW Passat nos nossos retrovisores. Apesar de não ser pior que as de São Paulo, as vias principais do Rio geralmente estão travadas com um trânsito nada maravilhoso. Deixando seu charme rústico de lado, a Kombi não consegue entreter seus passageiros por muito tempo. Sendo um veículo de £17 mil, há pouquíssimas surpresas e prazeres na Kombi. Deixe-me refrasear isso: há muitas surpresas e poucos prazeres.

Assim como o Mini, o Fiat 500 original e o VW Fusca, a Kombi é um veículo tão enredado na história automotiva que é impossível não gostar dela. Mas deixemos tudo bem claro, as coisas mudaram desde 1957. Por exemplo, em algum momento nos últimos 56 anos, alguém inventou zonas de deformação, que evitam a impalação pela coluna de direção, um destino fatal que a Kombi alegremente dará a você no caso de uma colisão frontal. Eu odeio uma direção excessivamente leve, mas neste VW o simples ato de sair do estacionamento do hotel é um exercício incrivelmente pesado. E sabe aquelas tampinhas que os carros baratos têm no lugar dos botões? Isso é o painel inteiro da Kombi. Há uma faixa miserável de feltro acima do motorista e do passageiro frontal, e uma extensão sombria de metal exposto acima do resto do interior. Ainda assim, 30 mil masoquistas brasileiros não podem estar errados.

Mas sem dúvida ela é divertida de dirigir, assim que ela está em movimento e o esforço para girar o volante diminui de hercúleo para meramente muscular. Nós vamos para a Urca, um pedaço rico do Rio na zona sul, dominada por uma base militar. Isso não evita que ela esteja inundada por uma estonteante arte urbana. Quando não estavam combatendo líderes criminosos, os legisladores do Rio acharam tempo para aprovarem uma lei que legalizava a arte urbana, contanto que isso não irritasse o dono da edificação. A cidade é assim mesmo (Tome nota, Boris Johnson). A Urca está alojada numa baía, com as ruas arborizadas e a vegetação exuberante dando outra pista da sua localização sub-tropical, e mesmo as rochas estão grafitadas. Parece mais uma tela gigante do que um bairro.

A Lapa é ainda mais cosmopolita. Toda a vida humana está aqui, incluindo uma equipe de TV gravando cenas para a novela mais popular do Brasil. Ela está em uma arcada; bem ao lado, um sem-teto cobre sua cabeça com um cobertor vermelho e resmunga palavrões. O seu sono é perturbado ainda mais pelo som da minha Kombi destracionando seus pneus enquanto tentamos vencer uma curva fechada numa subida com paralelepípedos molhados. Agora estamos no maior show de comédia do Brasil. Há uma distinta falta de tração, apesar do lay-out do VW e das maçanetas de Porsche 911.

Esta Kombi é movida por um motor 1.4 Total Flex refrigerado à água, que pode funcionar com gasolina ou etanol. Ele consegue ser meio segundo mais rápido no 0 a 96 km/h com álcool, e, assim que estiver a 96 km/h, a falta de massa – e interior – faz com que ele pareça genuinamente vigorosa. E um pouco assustadora quando o céu se abre e desencadeia um aguaceiro definitivamente tropical. Um homem sem dentes ou sapatos tenta abrigar-se dentro da Kombi. Não há travamento central, e não consigo alcançar a porta lateral corrediça do meu assento. Felizmente, ele nem tenta abrí-la, e apenas faz uma careta de desaprovação.

O caminho até o Vidigal é bem movimentada. Os braços do Cristo Redentor parecem estar para cima como se dissesse “eu sei que sou um fazedor de milagres, mas mesmo eu tenho meus limites”. Ainda assim, o trânsito nos dá tempo para admirar os incríveis túneis, reforçando a idéia de que virtualmente o Rio inteiro é algum tipo de maravilha da engenharia. Os carros locais são menos impressionantes nesses termos, mas ainda são curiosos, e o Brasil – o 4º maior mercado de carros novos no mundo, atrás da China, dos EUA e do Japão – é um bravejante caldeirão automotivo. Parte dos mercados emergentes que formam o BRIC – junto com a Rússia, a Índia e a China – a outrora economia brasileira dominada pela corrupção está em movimento, mas a pobreza persiste, o que significa que, sem meias-palavras, um monte de lixo velho cativante ainda é utilizado regularmente.

A Fiat é a maior marca no Brasil, e vendeu perto de 800 mil carros no país em 2012 (ela celebrou isso com um comercial de TV tipicamente bizarro). Mas a Volkswagen é mais visível, e a maioria dos brasileiros consideram a VW a marca mais importante. Em 1973, ela lançou a Brasília, o primeiro carro desenvolvido especificamente para o Brasil. Até 1983, um milhão de exemplares foram vendidos. O Gol de 1980 parecia uma versão bonitinha do Scirocco, e viria a ser o campeão de vendas no Brasil, permanecendo no topo da tabela por 25 anos seguidos. A versão mais recente é mais bonita que o atual Polo, se bem que não tão atraente quando a Gisele Bündchen, que estrelou no comercial de 2008.

Outros destaques, e temos muito tempo para curti-los, incluem um Golf de 4º geração com novas lanternas e faróis que parecem terem sido desenhadas por Tex Avery, uma crossover fútil chamada Saveiro (vocês podem ficar com ela, junto com a versão do Ka europeu original, mas com uma frente estúpida e uma traseira ainda mais gorda do que o do nosso modelo). Também há incontáveis carros da GM com aparência ireemedíveis, como o Chevy Celta ou a Montana. Nem vale a pena procurar por eles no Google.

Pesquise mais, no entanto, e você entrará numa terra de absoluta esquisitice, onde a Ford e a VW formaram uma joint-venture chamada Autolatina que deu ao mundo o Ford Verona (VW Apollo) e o Versailles (um VW Santana), enquanto um Ford mais antigo, os quase totalmente e corretamente esquecidos Corcel e Corcel II, era basicamente um Renault 12 requentado. Que Deus os ajude.

Há a carcaça de algum carro velho irreconhecível na entrada do Vidigal. Mas enquanto passamos cautelosamente pela cidade, acompanhados pela escolta da UPP e por nossos guarda-costas, é evidente que o combate ao crime, seja ele autoritário ou não, está permitindo que uma comunidade vibrante emerja para campos ensolarados, literalmente. Este é um lugar legal, cheio de pessoas legais e sorridentes, que com sorte poderão curtir sua cidade antes que ela seja tomada pelos especuladores imobiliários que, segundo rumores, estão começando a chegar (a vista que se tem do Atlântico é simplesmente formidável).

No topo, vemos um pequeno grupo de crianças brincando com uma bola, e elas acabam usando nossa Kombi para aprimorar suas habilidades. Acima de nós, há uma VW branca idêntica, estacionada num ponto privilegiado com vista para o campo. Não tem como sorrir quando você vê uma. A beleza da Kombi é que é um veículo que sorri de volta.

Texto: Jason Barlow
Fotos: Darren Heath