Stratos x Stratos

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Dificilmente fico sem palavras, mas é difícil descrever o som feito pelo Lancia Stratos original. Enquanto atravessamos os Alpes italianos, há muitas superfícies rochosas para ecoar o som, e quando a estrada fica livre de novo, uma vista vasta e coberta por neblina revela-se abaixo de nós. O Stratos solta estampidos, estrondos e tudo mais, a mais pura essência da explosiva combustão interna, mas que é escorada por um timbre de 6-cilindros que soa como 1974 em formato mecânico. Na batalha entre carro contra montanhas, a natureza normalmente ganha. Mas hoje não. Hoje, a natureza está levando um belo chute no saco.

O Sol está quase nascendo, e dirigir esta fera preta, aproveitando para saborear esse som enquanto ele ataca as Dolomitas e devora a estrada, deixa este dia bem no topo da lista dos melhores momentos da minha vida. Mas sabe o que dizem: você espera uma vida inteira para ver um Lancia Stratos, e então dois aparecem ao mesmo tempo.

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Você provavelmente reconhecerá o outro Stratos: é o modelo 2010, que a Top Gear Magazine dirigiu – por pouco tempo e com todo cuidado – no circuito de Le Castellet na edição 213. Financiado pelo magnata alemão Michael Stoschek, achamos que aquele dia foi bem especial. Mas o senhor Stoschek decidiu que poderíamos testá-lo de novo, desta vez numa via pública – uma das melhores do mundo, na verdade – tendo o Stratos original como companhia. Obviamente, esta era uma oferta irrecusável.

Não que este seja um dia comum para o senhor Stoschek. Ele não faz isso sempre. Não, hoje ele está celebrando um evento que ele ajudou a organizar em Setembro de 1986, quando 67 Lancia Stratos encontraram-se no Hotel Armentarola em San Cassiano, Itália, para andarem pela épica Sella Ronda em comboio.

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Eles levaram um ano para organizar o encontro, e é um evento que ele relembra com um carinho óbvio. Walter Röhl apareceu, junto com o então chefe do departamente de competição da Lancia, Cesare Fiorio. “A polícia local até fechou a estrada para nós”, diz Stoschek com um leve tom de espanto. (Mais tarde, nós vimos um vídeo do Stratos World Rally, que não é apenas um festival de carros incríveis, mas também de penteados, e de roupas de lazer e meias aterradoras. “Não fale sobre minhas meias brancas!”, disse Stoschek.)

Meias à parte, Stoschek é um cara e tanto. Tendo assumido o controle da empresa da família, a Brose, que fornece componentes importantes para a indústria automotiva – para toda a indústria automotiva, até onde sei – nos anos 1980, ele a levou a um crescimento impressionante. A Brose agora emprega 20 mil pessoas ao redor do mundo, opera a partir de 49 escritórios diferentes, e ano passado teve um rendimento de R$11.7 bilhões. Quando jovem, Stoschek era o melhor cavaleiro da Bavária, e 13º no ranking alemão. Quando um homem como ele pergunta se você quer passar um dia nas Dolomitas com alguns carros, você diz “sim”.

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Você só tem que evitar os acidentes. Ou ter um daqueles “momentos”, mesmo que seja um bem pequeno. “Lembre-se, este carro vale R$13 milhões”, ele me diz através do sistema de comunicação à bordo do novo Stratos, enquanto outro enorme ônibus de turismo desce a colina em nossa direção. Minhas mãos estão cobertas de suor, e elas seguram o volante com tanta força que acho que minhas articulações irão saltar para fora delas. “Sim, senhor Stoschek”, eu murmuro. “Não se preocupe, eu me lembro…”

O problema é que esta coisa – uma cópia em fibra-de-carbono genialmente exata do lendário modelo original – nem de perto é um carro que quer ser conduzido lentamente. Na verdade, provavelmente é um dos carros mais agressivos que já dirigi, o que não me deixaria preocupado se não fossem seu valor imenso, raridade (só existe ele), e o fato do seu dono bilionário estar sentado praticamente ao meu lado e a 2.300 metros numa maldita montanha. O que poderia acontecer de pior? Pois é. Eu morreria, aí eu seria morto de novo.

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Mas também não adianta ser um covarde. Lembre-se, o doador das peças do novo Stratos foi uma Ferrari 430 Scuderia, cuja carroceria foi jogada fora, mas suas entranhas renasceram num corpo bem espetacular. Pesando 1.247 kg, este carro é cerca de 150 kg mais leve que a Ferrari, e, graças a um novo módulo de comando do motor e um sistema de escape incrivelmente cara (fornecido pela Capristo, é feito de aço inoxidável de apenas 0,5 milímetro de espessura), seu motor 4.3 V8 naturalmente aspirado agora produz 539 cavalos. A suspensão possui amortecedores reajustados e tem molas mais firmes e buchas novas. Discos de cerâmica Brembo – com 398 mm na frente, 350 mm atrás, eles são quase do mesmo tamanho das rodas do antigo carro – cuidam da frenagem, e os corpulentos pneus são da Dunlop. Este carro parece mais uma máquina de guerra.

Crucialmente, o chassi de alumínio da Scuderia ficou 20 cm menor no novo Stratos, então ele até imita o visual truncado do original. Isto é excitante e preocupante: o momento polar de inércia do velho Stratos era tão delicado que era raro ver um andando em linha reta, apesar de ter ganho três campeonatos mundiais de rali seguidos no meio dos anos 1970. Sua tendência para andar de lado era causada principalmente pelo fato do seu motor Ferrari V6 estar posicionado relativamente alto e transversalmente no meio do chassi, mas também por causa daquele entre-eixos comicamente curto.

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De volta ao novo Stratos, está claro que este é um veículo torna o mundo um borrão liquefeito. Lembro do meu pequeno passeio em Le Castellet como ele pareceu bem estável, e como ele fazia curvas tão bem que parecia ter entalhado uma linha no asfalto. Bem, ele é ainda mais desconcertante aqui. Stoschek afirma que ele é 30% mais rígido que a Scuderia, que não é exatamente um carro mole, mas ele parece ser ainda mais firme que isso.

Um santantônio FIA ajuda, e a total ausência de qualquer coisa macia ou fofa no interior enfatiza seu aspecto brutal. Um cinto de quatro pontos e bancos incrivelmente bons quase transformam seu corpo num elemento estrutural. Esses bancos, a propósito, pesam apenas 11,3 kg cada um, bem menos que os 18 kg dos bancos da Scuderia.

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Este é um daqueles carros que não apenas acelera, ele dispara pela estrada. Você está no ponto A; agora está no ponto B. A parte no meio é pulverizada. Nem parece que há algum peso; ele simplesmente vai para onde você diz para ele ir e ele chega lá enquanto você ainda está pensando a respeito. O diferencial eletrônico da Ferrari foi trocada por um mecânico Drexler usado no WRC, que não apenas pesa 23 kg a menos, como também ajuda a jogar o Stratos através das curvas com uma agressividade fantástica. Desligue o controle de tração e ele derrapará num instante. Você não trabalha tanto o volante como numa Ferrari 458 Italia, mas ainda é uma experiência ligeira, quase surreal. Mesmo que ela aconteça num estacionamento.

Uma relação peso-potência de 433 cavalos por tonelada conta sua própria história: 0 a 100 km/h em 3,3 segundos, e 0 a 193 km/h em menos de 10 segundos. Tudo isto num carro único, que foi absurdamente bem montado, um belo pedaço de fibra-de-carbono moldado num formato que traz o Stratos original ao século XXI.

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Este também é um carro que claramente reflete o caráter de seu dono; sendo um industrialista rico que ganhou o épico rali Carrera Panamericana três vezes, além de outros, ele não está de brincadeira aqui. “Sou um tarado por fibra-de-carbono”, Stoschek admite. Ele até criou sua próprioa mountain bike com esse material – com um quadro que pesa apenas 5 kg, ele pode ser erguido com apenas um dedo.

Por outro lado, o Stratos original era bem insano também, um produtos dos anos 1970 quando as drogas eram mais potentes, os cabelos mais longos e valia tudo. Se vermos o velho Stratos com os olhos da nossa atual era automotiva, ele é uma minúscula caricatura de um carro, com um cockpit de verdade e um fundo poço de vidro como um pára-brisa. Quando os fiscais da FIA foram inspecionar os 400 carros de homologação, a Lancia mostrou-lhes 200 modelos finalizados, antes de levar a delegação para almoçar. Diz a lenda que os inspetores não notaram, após voltarem do almoço, que viram os mesmos 200 carros…

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Uma história como esta de algum modo só acrescenta ao caráter do Stratos. A estranha posição ao volante também ajuda, e lembremos que a primeira marcha está para trás… O interior também é tão apertado que não faço idéia como Walter Röhl – um homem com proporções de uma girafa – conseguiu entrar nele. Mas também há lances de ergonomia geniais, como as portas curvadas que acomodam capacetes.

Meu Deus, como é divertido de dirigir. De novo, a falta de massa significa que ele ganha velocidade de uma maneira instantânea e incorrupta, típica da maioria dos antigos carros potentes. Não há ajuda eletrônica, nem assistência, nem nada: apenas um 2.4 V6 urrando atrás da sua cabeça enquanto o ponteiro do conta-giros segue até a faixa vermelha. “Não freie, não freie!”, Stoschek grita, quando descemos a montanha e meu pé naturalmente gruda no pedal do meio. Com sua aceleração instantânea, direção maravilhosamente direta e uma carroceria curtinha, não é difícil imaginar como seria dirigir um Stratos num rali. Ele até sai de frente – na estrada, pelo menos – antes que a Física interfira e os largos pneus traseiros desgarrem.

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Quando chegamos na base da montanha, só há uma coisa a fazer – dar a volta e subir montanha acima de novo. O Stratos urra de emoção através do vale.

Texto: Jason Barlow
Fotos: Lee Brimble

Sobre johnflaherty

Meu nome é Sadao H. Konno, mas sou mais conhecido como "John Flaherty". Por quê? Porque sim, uai! Desde criança, eu gosto de carros, tanto que minha lembrança mais antiga dessa época é de uma capa da antiga Audi Magazine. Nunca fui muito de ler os grandes clássicos da literatura, mas o que me salvou foram as revistas especializadas em carros. Mais precisamente, a QUATRO RODAS, a MOTOR SHOW e, recentemente, a AUTO ESPORTE. Acho que foi em 2009 que descobri o Top Gear, e desde então, virei um grande fã da trupe formada pelo Jezza, Hamster, Capitão Lerdo e Stig. Em 2010, inspirado por uma amiga da faculdade, decidi começar a legendar vídeos do Top Gear e postá-los no YouTube. Infelizmente, minha conta foi bloqueada pela BBC, mas agora, ofereço suporte ao blog Top Gear BR.

Publicado em 12/11/12, em Matérias traduzidas, News, TopGear.com e marcado como . Adicione o link aos favoritos. 3 Comentários.

  1. Marcelo Elias

    Lenda. Sem mais.

  2. Bruno Zen Zortéa

    prefiro o stratos KKKKKKKKK

  3. Juro que quando li o título, imaginei que fossem comparar o Stratos (Lancia) com o Stratus (Chrysler)…

    Agora deve ser uma coisa incrível guiar um carro desses…

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